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Morte I

Às vezes os ossos começam a se roer Às vezes a pele começa a arder O corpo sente a dor que não sentem tantos E as lágrimas riscam o rosto de muitos em prantos Às vezes o cérebro desliga Às vezes o olho cega O músculo fatiga E a dor pega E o pulmão erra E a garganta engasga O corpo na terra É o fim de uma saga O sangue jorra A pele torra O sorriso sarcasmo E a alma marasmo Último ano de idade Último vivido pela metade Primeiro ano de castidade É o fim da eternidade

Olha(r)

Olha, E que tais olhares são esses? Os teus Aos meus Que complicação da nossa relação. É bom? É bom. Será? Não imaginei de primeira, Apesar de ter. Mas não (te) ter. Olhar de ser (minha?), De (te) ser, De temer. Será? Se for Será? Mas se for, não vai ter que dizer "Se foi"? Sabe? Porque os olhares Teus Aos meus São estranhos.

Coração de vidro

Coração de vidro, bombeia veneno e pede antídoto, espera dor e procura amigo, amor, um segundo de conforto; um segundo estando morto Coração de vidro, procura o reto e acha o torto, tem o pulmão cheio de tabaco, o fígado de álcool e sempre se termina em caco.

Octógono

eu contra mim tu contra ti nós contra o mundo                     e ele a nosso favor

Eu Avisei

Olha, a verdade é que escrever é quase igual cagar. Porque quem caga, não caga na hora que quer. E não caga onde quer, também. Quem precisa cagar, precisa cagar e pronto. E é assim que eu me sinto quando eu finalmente escrevo alguma coisa, sabe? Porque é uma necessidade física, e cada vez que eu coloco um ponto final em cada texto, eu sinto um alívio tão grande que deve valer por umas três cagadas ou mais. Ah, e tem aquele incômodo de passar dias e dias sem escrever uma linha sequer, e tem também aquela vez que até sai alguma coisa, mas não dá pra falar que você escreveu um texto novo, de fato. E todas as vezes que você não escreve aquela ideia na hora, e ela acaba indo embora E sabe-se lá quando ela vai voltar Se é que ela vai voltar Por isso que eu sempre ando com um bloco de notas, sabia? É porque uma vez eu vi um careca da tevê falando, e disso eu não vou esquecer tão cedo: "nunca se recusa uma ida ao banheiro" E é isso que eu faço Porque no fundo é tudo a mesma coisa, nã

Acidente

Eu tava sentado na mesa. Assim, só sentado. Caneta em uma mão, cabeça apoiada na outra, olhando pra porta. O marrom da porta não significava nada. Mas eu pensava nisso. Não vinha nenhuma ideia à cabeça. Tocou o telefone. A mão da caneta atendeu, deixou ela cair na mesa. Daquele jeito que pinga uma vez com cada ponta, sabe? O telefone na orelha e a voz na cabeça. Um acidente? Ok. Quando? Uhum. O papai? Uhum. Uhum. Morreu? Entendi. Uhum. Ok. Amanhã? Ah sim. Não encontraram né? Não né? De ninguém? Ok. Uhum. Velório só. Tá. Tá bom. Tchau. Meu pai morreu. Um avião sofreu acidente. Ele tava nele. Eu não sabia. Era com a amante. Isso eu também não sabia. Acho que agora eu tenho que fazer alguma coisa, né? Organizar. É, eu acho que as pessoas fazem isso. Organizam. Alguma coisa. O enterro. Mas não tem corpo. O velório. Ok, só o velório. Tem que avisar todo mundo. Todo mundo não, só algumas pessoas. Eu nem sei quantos anos ele tinha. Alguém vai me perguntar isso né? Vai. Ele era jovem. Jovem de

Divã do Monstro

Tempo demais a só teorizo: Tentar ser profundo num mundo de águas rasas é a maneira que me iludo Quem dera ser terreno até alado Não rastejar pelos abismos cantos sombrios das questões ermos mal iluminados Vez ou outra excepcionais ocasiões lança-se o monstro à superfície Helenas Marias Alices... Com mulheres, monumentos se depara O Querubim notando o alvo exótico dispara. Abate-se sobre Leviatã avessa e excessiva ternura que encarcera-o impedindo seu retorno ao repouso nas fissuras Agonizante a ternura acumulada satura-se metamorfoseando-se em ira " Que sentido há em decompor o Ego lhes expôr o pouco que me resta Se como lança é cravada a dúvida: À todos amam ou apenas me detestam?   "