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Mostrando postagens de junho, 2015

Acidente

Eu tava sentado na mesa. Assim, só sentado. Caneta em uma mão, cabeça apoiada na outra, olhando pra porta. O marrom da porta não significava nada. Mas eu pensava nisso. Não vinha nenhuma ideia à cabeça. Tocou o telefone. A mão da caneta atendeu, deixou ela cair na mesa. Daquele jeito que pinga uma vez com cada ponta, sabe? O telefone na orelha e a voz na cabeça. Um acidente? Ok. Quando? Uhum. O papai? Uhum. Uhum. Morreu? Entendi. Uhum. Ok. Amanhã? Ah sim. Não encontraram né? Não né? De ninguém? Ok. Uhum. Velório só. Tá. Tá bom. Tchau. Meu pai morreu. Um avião sofreu acidente. Ele tava nele. Eu não sabia. Era com a amante. Isso eu também não sabia. Acho que agora eu tenho que fazer alguma coisa, né? Organizar. É, eu acho que as pessoas fazem isso. Organizam. Alguma coisa. O enterro. Mas não tem corpo. O velório. Ok, só o velório. Tem que avisar todo mundo. Todo mundo não, só algumas pessoas. Eu nem sei quantos anos ele tinha. Alguém vai me perguntar isso né? Vai. Ele era jovem. Jovem de

Divã do Monstro

Tempo demais a só teorizo: Tentar ser profundo num mundo de águas rasas é a maneira que me iludo Quem dera ser terreno até alado Não rastejar pelos abismos cantos sombrios das questões ermos mal iluminados Vez ou outra excepcionais ocasiões lança-se o monstro à superfície Helenas Marias Alices... Com mulheres, monumentos se depara O Querubim notando o alvo exótico dispara. Abate-se sobre Leviatã avessa e excessiva ternura que encarcera-o impedindo seu retorno ao repouso nas fissuras Agonizante a ternura acumulada satura-se metamorfoseando-se em ira " Que sentido há em decompor o Ego lhes expôr o pouco que me resta Se como lança é cravada a dúvida: À todos amam ou apenas me detestam?   "

Título a definir

Garoto chega a noite em casa e passa meio apressado pela sala, onde está a mãe: - Ei, ei, garoto! Pode ir brecando aí, vem cá! Já sentindo o suor frio escorrer pela sua testa, ele foi em direção a mãe. - Deixa eu sentir teu bafo. - Por que, mãe? - Anda logo vai! - O que foi, mãe? - Disse o garoto já abrindo a boca, com o nariz da mãe praticamente na goela. - Que cheiro é esse, moleque?! - Cheiro? Que cheiro? - Você sabe bem do que eu estou falando! Eu sabia que você tava fazendo essas porcarias! - Do que você tá falando, mãe? Eu não tô fazendo nada não! - Tá sim, que eu to sentindo isso aqui. É cheiro de ketchup! - Ketchup, mãe?! Não é não! Eu não comi nada disso! - Ah, não é? Isso aqui é cheiro do que hein? - É... é de maconha! É cheiro de maconha, mãe! Eu tava fumando lá com o pessoal. - Não vem com essa pra cima de mim, menino. Eu sei muito bem o que você e esses seus amigos aí estavam fazendo. Vocês foram no Mc Donald's! - Nossa, mãe, é lógico que não! - Foram sim, aposto que s

Pandemia

Vomito palavras vãs ultraje aos homens porcos minha cólera minha febre terçã que acerta-os em cheio nos ovos causa-lhes repulsa e um comichão na consciência essa mania de sangrar as regras da moral e da decência prova irrefutável do pânico suas frases andam em círculos caem no chão contorcem babam em pleno surto epifânico alegre, despeço-me gargalhadas ecoam no oco de cada cabeça que as palavras vãs marcadas a fogo até o fim permaneçam.